quarta-feira, 1 de março de 2017

O quê faz Desventuras em Série ser tão bom?



Olá, pessoal!

Essa postagem talvez seja terrível demais para ser lida, pois a vida dos órfãos Baudelaire é indiscutivelmente (a palavra aqui significando que não há margens para discussão) bem difícil, sugiro que aqueles que queiram manter-se felizes pelo resto do dia procurem blogs mais agradáveis, talvez algum com fotos de filhotes fofos, ou aqueles de poesia com mensagens bonitas e inspiradoras.

Mas se você por qualquer razão resolveu continuar aqui, deve-se questionar o porquê de querer ver tamanhas desgraças, suponho (a palavra aqui significando que não tenho certeza sobre sua personalidade mas irei arriscar) que talvez você se identifique com as desventuras dos órfãos, ou pelo menos com sua forma de ver o mundo.

Mas deixando isso de lado, eu sei muito bem que não sou nenhum Lemony Snicket, e seria deveras ridículo tentar replicar seu estilo por todo o artigo. Voltarei ao normal e irei analisar os quatro primeiros livros, o filme de 2004 e a série recente da Netflix.

Nessa análise, eu explicarei o apelo de Desventuras em Série, porque é tão bom? como suas histórias afetam nossa forma de ver a vida?

Meu primeiro contato com a história foi o filme de 2004 estrelado por Jim Carrey, e era provavelmente um dos meus filmes favoritos da infância, isso não significa que ele não seja problemático, ele é e muito.



A maioria dos fãs dos livros odeiam essa adaptação por ter compactado três livros inteiros em um filme com menos de duas horas, e por ter "emburrecido" muito do humor sarcástico dos livros.

Pessoalmente, eu ainda gosto do filme, admitidamente mais por nostalgia, porque apesar dessas reclamações serem verdade, o clima gótico dos livros ainda transparece muito bem na adaptação, e foi meu primeiro contato com humor negro (acredito que de muitos, tanto os que conhecem o livro quanto os que viram o filme).

Personagens morrem em Desventuras em Série, e muitas vezes é engraçado, o próprio pessimismo exagerado presente nos livros é feito como piada.  Ainda mais para crianças, tão acostumadas a histórias coloridas e felizes, ler ou assistir Desventuras era algo único, e desde jovem eu adorava essa parte sombria que me foi mostrada, porque ninguém mais parecia ter coragem de mostrar.

O filme começa de forma genial, como se fosse uma animação dos anos 60, só para na metade cortar e vir a voz do narrador falando: "Lamento informar que este não é o filme que assistiremos...".



Quando vi aqueles primeiros minutos, pensei que havia alugado o filme errado ou que alguém tinha colocado outro dvd dentro da caixa (era época de locadora), e o mais engraçado é que recentemente (mas ainda antes da série) mostrei o filme para minha irmã e ela perguntou se eu havia colocado o filme errado.

Se Jim Carrey fez um bom trabalho como Conde Olaf é discutível, eu pessoalmente gostei bastante, e Carrey já provou que além de comédias ele é muito bom em dramas como Show de Truman e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, mas é bem visível que ele simplesmente fez um "Ace Ventura do mal" no filme, o humor físico e exagerado comum dele não é exatamente fiel ao Olaf do livro.

As três crianças foram ótimas, principalmente Emily Browning como Violet, tanto que na série contrataram uma atriz bem parecida com ela.



Um aspecto do qual o filme é superior a série é a trilha sonora (indicada ao Oscar) de Thomas Newman (de Beleza Americana), não que a trilha da série seja ruim, mas a do filme captura o clima de mistério muito melhor que o produto da Netflix.



Eu especialmente adoro o final, onde os órfãos voltam para a casa queimada e recebem uma carta dos pais mortos, mas comentarei apenas no final do artigo, pois essa é exatamente a cena que define Desventuras em Série para mim.

Apesar da má recepção dos fãs e do público (foi um fracasso de bilheteria), o filme ainda foi indicado a quatro prêmios Oscar (todos técnicos) e ganhou por melhor maquiagem, e de certa forma se tornou cult depois de um tempo, afinal fez parte da infância de muitos.

Descobri anos depois que o filme era baseado numa longa série de livros (13 ao total), mas nunca consegui encontra-los em lugar nenhum, a biblioteca da escola não tinha e depois de um tempo eu me esqueci da existência deles, foi apenas nesse ano com a estreia da série da Netflix que resolvi procurar na biblioteca pública da minha cidade, e felizmente achei toda a coleção lá.



Já começo dizendo que eu amo a escrita de Lemony Snicket, é puro sarcasmo e humor negro, foi uma das poucas vezes onde eu realmente ri com um livro, tem incontáveis passagens geniais que eu poderia colocar aqui, e olha que li apenas os primeiros quatro livros.

Alias, antes que se perguntem, Lemony Snicket é apenas um pseudônimo, pois o próprio é um personagem do livro que narra as histórias dos órfãos e tem ligação com eles, o verdadeiro nome do autor é Daniel Handler.

Assim como Harry Potter, me parece uma obra perfeita para fazer as crianças se interessarem por literatura, pois é tudo bem dinâmico e fácil de entender, é claro que tem partes consideravelmente pesadas (como havia dito, pessoas morrem de forma cômica), mas ainda é em sua essência um livro infanto-juvenil.

Pessoalmente, meu favorito dos quatro é "O Lago das Sanguessugas", eu acho as piadas sobre gramática e as fobias da Tia Josephine bem legais, além do cenário (a casa suspensa) e as situações são as mais interessantes, esse também era meu segmento favorito no filme. 

Posso dizer que a série é um exemplo de como fazer uma adaptação, muitos diálogos e passagens do livro são transportadas palavra por palavra na série, e não contente só com isso, também são adicionadas varias informações sobre as futuras adaptações e mais momentos cômicos.

Até mesmo a abertura é bem irônica, dizendo que é melhor não assistir, algo que é bem possível de imaginar vindo do próprio Daniel Handler, isso porque ele teve uma voz bem mais ativa nessa produção, tudo até mesmo as minúsculas mudanças foram aprovadas por ele.


Todos os atores fizeram um ótimo trabalho, os três órfãos seguem exatamente a descrição dos livros, por exemplo, é dito que Klaus é praticamente cego sem os óculos e que Violet só prende o cabelo para pensar em fazer alguma invenção.

No filme, Klaus só usa os óculos quando lê e Violet passa metade do filme com o cabelo amarrado por alguma razão.

Achei que Neil Patrick Harris fez muito mais justiça ao personagem, pois o Conde Olaf dos livros certamente é imbecil e repugnante, mas ao mesmo tempo é divertido ver seus planos diabólicos para pegar a fortuna dos órfãos. Harris sabe quando ser idiota e quando ser assustador, pois apesar de Olaf ser um pateta, ele ainda é perigoso e está totalmente disposto a matar para atingir seus objetivos.



Patrick Warburton também está ótimo como Lemony Snicket, dessa vez com uma presença bem mais forte do que no filme, sua voz e estilo de comédia combinam perfeitamente com o personagem original.

Alguns personagens que roubaram o show foram os capangas do Conde Olaf, tendo tempo e personalidades até mesmo superiores ao livro, destaque para as irmãs gêmeas que estão em alguns dos momentos mais engraçados da série.



Outro fator é que teve um plot twist bem interessante próximo ao final, apesar de que os fãs dos livros provavelmente já sacaram o que aconteceria, muitos ainda foram pegos de surpresa com aquela revelação, foi certamente bem surpreendente e triste.

É difícil apontar alguns fatores negativos nessa adaptação (ainda mais por ser fã), a série é exatamente tudo que ela deveria ser, e até o momento certamente é minha favorita do ano, o único problema que notei foram alguns efeitos especiais ruins, mas até mesmo isso tem um certo charme e combina com seu estilo cartunesco.

Também por já assistir o filme mais de 20 vezes, eu já sabia o que aconteceria nos seis primeiros episódios, o único que foi uma surpresa para mim foram os últimos dois, que adaptam o livro "A Serraria Baixo Astral", do qual o filme deixou de lado. Mas isso é minha culpa e não da série.

Eu recomendo 100% a série para todos que leram os livros e viram o filme, ou se você gosta desse tipo de história sombria com humor negro e estilo gótico.

E agora, por que Desventuras em Série é tão bom?

Antes de começar, devo dizer que esse tema está se tornando um clichê neste blog, e sim, é mais uma repetição do discurso do Rocky Balboa, mas o que eu posso fazer se essa é mais pura verdade e nunca fui refutado até agora?

A razão de Desventuras em Série ser tão bom é que desde cedo mostra que o mundo não é um lugar bonito e justo, nem sempre os bons vencem, alias, na maioria das vezes, eles perdem. Os órfãos sofrem e a situação deles sempre piora, mas eles continuam lutando contra as adversidades, se mantendo unidos contra todo inevitável encontro com Conde Olaf, e eles nunca desistem.


Existem poucos minutos de felicidade na vida deles, mas isso já o suficiente para eles ainda manterem as esperanças. É exatamente o que é mostrado no final do filme, onde eles recebem uma carta dos falecidos pais dizendo uma mensagem bem semelhante.



"... e o que parece uma série de desventuras pode ser de fato apenas o inicio de uma jornada..." 

A imagem dos três gêmeos dormindo juntos atrás do carro é o que define Desventuras em Série para mim, não importa o que venha pela frente desde que eles tenham um ou outro.

Por isso o filme sempre vai ter um lugar na minha memória, e até mesmo a série fez algo similar com um número musical no final reforçando que não há um final feliz aqui, mas pelo menos eles estão unidos.

"... você pode sonhar que a justiça e paz ganharam o dia, mas não é assim que história continua..."

Alias, para acabar, desejo um bom carnaval para todos, pelo menos até essa distração acabar e você lembrar que o resto do seu ano será miserável como todos os outros.

Com isso dito, Paz!